Faustino Antunes

sábado, 29 de janeiro de 2011

A MÃO E A PEDRA


Se és juiz, e não queres manchar a toga.
E á tua frente jaz, a pecadora inerte.
E o seu olhar te fita e também te fere
E em silencio, te pede clemência.

E se na mão sentires o peso da pedra
E se teu coração bater em descompasso
E tua razão te diz pra não erguer o braço
Contra o olhar que implora e também te acusa.

E se lutas feito animal ferido
E no teu âmago sentes que o coração vacila
E a consciência luta para não ser injusta
E a balança pende para o lado oposto

Se justiceiras pedras caem ao teu lado,
Pois julgadores no mundo há de sobra.
Não faça com elas um escudo falso
Como quem labuta na seara alheia

E se te negas a dar o teu veredicto.
Porque julgar, convenha, a ti não compete.
E com o tempo, a vida faz seu julgamento.
Porque que carregas n’alma um maior pecado.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011


CAVALEIRO


Na escuridão sem fim da noite
O cavaleiro macabro, solitário avança.
Bandoleiro de mil vidas
Mensageiro de mil mortes
Uma sombra que se confunde
E se funde com as outras sombras.

Passos lentos, gestos mudos.
Até a natureza, hirta treme,
Ante ao andarilho tenebroso.
Espada impassível de aço frio
Rastro rubro de sangue quente
Prelúdio de morte eminente.

Levando a noite na garupa
Empurrando a aurora no açoite.
Nem a lua faz brilhar a sua prata
Nem o remanso escoa seu cristal.
E até as aves noturnas silenciam,
Ante tão medonho vulto!

E no alvo coxim de branco linho,
Grossas gotas lívidas escorrem,
Do corpo tremulo e agitado.
E a cada passo do rude cavaleiro,
Um grito de horror é sufocado,
No ardor do terrivel pesadelo.

Mas, enfim, raia a doce alvorada.
Faz-se finalmente a desejada paz
Como mágica, as trevas se dissipam.
Vai-se a agonia, vai-se a triste fantasia.
E um calmo e tranqüilo abrir de olhos,
Destrói num golpe, o poderoso cavaleiro.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011


PRIMAVERA

Todos os anos, a primavera chega,
Depois do frio do inverno
Com suas flores e seus perfumes
E o calorzinho gostoso

A natureza explode em mil cores
E a vida renasce pra todo lado
Num mundo que parecia sem vida
Um milagre acontece

E é por isso que a esperança,
Ainda existe, pois com certeza,
Quando o frio da alma findar,
A alegria volta com força

As sombras são como nuvens
Encobrem o sol, mas vão embora.
E atrás de toda escuridão,
Há sempre uma promessa de luz

E os sinais deixados pelas lagrimas
Serão apagados pelos sorrisos
E um vento de ternura soprará
Fazendo renascer a esperança.

Brotará um grito de alegria
E um desejo imenso de ser feliz
E a sabedoria repetirá serena,
Tudo passa! Sempre passa!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011


NHÁ SERVINA


Nhá Servina, preta véia,
Do tempo da escravidão.
Do tempo que liberdade
Era sonho, era ilusão.

Era um tempo sem limites,
De injustiças, de dores,
De aflições, desigualdades,
Uma praça de horrores!

Os grandes, os poderosos,
Dominavam os demais
Impondo suas vontades
Ignorando os seus ais.

O sonho de Nhá Servina
É um mundo de igualdade
Onde o sonho que se sonha
Possa ser realidade.

Onde não haja injustiças,
E todos sejam iguais.
Onde não se trata gente
Como meros animais.

Esse mundo já existe
Mas é só no pensamento
Hoje ainda a escravidão
É o nosso maior tormento.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011


ZE PASSARINHO


Lá pros cafundós da estrada Caraná vivia o Zé Passarinho, figura pitoresca que colecionava todos os tipos de animais possíveis de se ter por perto de casa. E por falar em casa, a do Zé também tinha uma particularidade única: todo mundo na roça cerca a casa para os animais não entrarem, pois o Zé cercava a sua para os animais não saírem! E imaginem uma casa cheia de galinhas, patos, marrecos, gansos, porcos, coelhos e tudo mais! Dentro, a fertilidade era maior que fora!
E como não poderia deixar de ser, o Zé era um exímio negociador. De animais, é claro! Por onde passava, era um escambo só! Sabia quantas galinhas valiam um pato, quantos patos valiam um peru e outras manhas. Os centavos das trocas eram os ovos e serviam para arredondar a conta ou pra ajudar a concretizar um negocio difícil. Se o interlocutor se mostrava reticente, dá-lhe ovos!
E pra todo lugar que ia, sempre levava algum bicho para um eventual negocio. Sempre se podia encontrá-lo pelas estradas, com um saco ás costas e um ou vários animais se contorcendo dentro. Não se podem perder oportunidades!
Um dia, antes de pegar o ônibus que ia de Cambuí para Marialva, o Zé se encantou com um belo cacho de bananas dando sopa na beira da estrada. Botou o cacho no fundo do saco e por cima acomodou o ganso que havia trazido de casa. Acontece que alguns passageiros gozadores desconfiaram do tamanho desproporcional do bicho e pediram para ver. O Zé puxou meio palmo de pescoço do ganso de dentro do saco e apresentou aos inquisidores. Estes ainda não satisfeitos pediram para ver o animal todo, ao que o Zé respondeu irritado:
- Tem disso não. Viu a cabeça, viu tudo!

SEGURA MINHA MÃO


Segura a minha mão,
Porque eu tenho medo, muito medo.
E não é do homem do saco
E nem do bicho-papão.

Não é o medo da noite
Das sombras, da escuridão.
Nem das bruxas voadoras
Ou da seringa da injeção

Não é medo do ladrão
Nem da cuca, que vem pegar.
Nem de fantasma nem de vampiro
Nem mesmo de assombração

Não é medo do temporal
Nem da chuva ou do trovão
Também não é medo da morte
E do monstro também não

É medo, somente medo.
De encontrar a solidão
Medo de não poder mais
Segurar a tua mão.


MOLEQUES VS FRUTAS

Moleques de verdade,que moravam no sitio, viviam encarrapitados nas arvores á procura de frutas. As molecas também não ficavam para traz! As mangas eram um caso á parte e a partir da florada, todo mundo acompanhava a evolução das frutinhas, esperando ansiosos que elas crescessem e amadurassem. As primeiras que coloriam e amoleciam eram disputadas a tapa e o dono era o que primeiro via a fruta nem que fosse num lugar impossível de ser colhida. Viu, é dono e acabou-se!
Se á noite chovia, cedinho era hora de fazer a colheita dos frutos derrubados pelo vento. No final da safra a molecada era pura pereba, que sangue já nem tinha mais no corpo: era puro caldo de manga que circulava pelas veias e artérias. Pisar num exemplar podre com uma abelha por baixo era sinal de pé inchado e muito choro. Faca não se usava para chupar manga: era batida no joelho ou numa pedra até ficar molinha, fazer um furinho na extremidade oposta ao pedúnculo e chupar o caldo grosso até esvaziar. Depois era chupar o caroço até ficar branco como as barbas do Papai Noel.
Jabuticaba era um perigo! O pé, com seu tronco preto de tanta fruta era coisa linda de se ver e dava água na boca! A molecada entrava de sola e esquecia da vida! De vez em quando tinha que engolir uma casca, senão entupia mesmo!
Tangerina era moeda de troca na escola. Era costume dizer que o povo da cidade ia ao sitio para chupar tangerina e o povo do sitio ia à cidade para chupar sorvete. Eram enormes, viçosas como não se vê mais. Nos pés de laranja constantemente se achavam ninhos de sabiás.
Chupar cana era divertimento coletivo. Ia-se ao canavial e furava-se a casca com a pontinha da faca ou canivete. Se ela estalava era macia e doce. Juntava-se uma rodinha, contavam-se causos e piadas e dá-lhe chupar cana. No final era uma bagaceira só!
Encontrar melancia grande no meio da plantação de arroz era uma festa! Partida ao meio em cima de um toco, só o miolinho cor de sangue era consumido, porque havia fartura na roça e não precisava economizar.