Faustino Antunes

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

PIONEIROS ANÔNIMOS

Quem são os pioneiros da nossa cidade? Quem são as pessoas que aqui chegaram a muitos anos atrás e derramaram o seu suor para construir o que nós hoje usufruímos prazerosamente? São somente aqueles que constam nas placas e que dão nomes ás ruas?

Vamos buscar respostas na historia.

Walter Benjamin, ensaísta, critico, tradutor, filósofo judeu alemão, nascido em Berlim no ano de 1892 tem algumas teses muito interessantes sobre alguma coisa parecida.

Benjamin nos diz que temos que escovar a história á contrapelo, ou seja, valorizar mais as experiências coletivas ao invés das individuais. Questionar sempre a história dos vencedores porque estes provavelmente impuseram suas idéias valendo-se da sua posição privilegiada. Ele nos convida a romper a história, como uma criança desordeira que joga tudo no chão, para que novos desdobramentos sejam analisados á luz de novas idéias. Nos incita a desconfiar mais, a valorizar o cotidiano e as mentalidades da época, os sonhos e ambições daqueles que não eram os personagens principais, mas que por certo tiveram uma participação importante no desenrolar dos fatos.

Se eu perguntar: quem construiu as pirâmides? Os faraós, me responderiam! Mas eles arrastaram pedras? Ergueram-nas com sua força ou lapidaram-nas para que se encaixassem nos seus lugares? Claro que não! Estavam muito ocupados nos seus serviços religiosos e no comando político do Egito e deixaram o serviço pesado para os operários!

E quem eram esses operários? Escravos? Trabalhadores livres? O que pensavam da construção? O que comiam? Como se divertiam? Sabiam ler? Escrever? Uma coisa nós temos certeza: foram essas pessoas os responsáveis pela construção desses monumentos que até hoje causam admiração, milhares de anos depois.

Depois desse grande giro pela história e pelo mundo, agradecemos ao Walter Benjamin pela divagação e voltamos á nossa questão inicial. Sabemos que no inicio das nossas cidades, dezenas de pessoas habitaram os mais longínquos rincões. Plantavam suas roças, criavam seus animais e viviam sua vida. O excedente da produção vendiam na cidade, e suas compras eram também efetuadas nas vendas e empórios. Iam ás missas e cultos e quando podiam, ás quermesses e festas. Colaboraram com o progresso da sua maneira, mas sem esses anônimos ele certamente não viria. Não são homenageados com seus nomes batizando logradouros e ruas da cidade, mas nos escaninhos da história, lá estão eles encaixados como blocos de granito numa pirâmide, até o dia que um historiador com espírito de criança desordeira resolver escovar a história a contrapelo!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

CONTRASTE SOCIAL


No multicolorido alucinante

A sociedade inteira rodopia.

O mundo esquecido, a alma amante,

Ao calor sonoro, o mundo desafia.


São almas solitárias que se iludem,

E se procuram, mas ah! Ironia

Próximas sim, mas tão distantes.

E pagam caro, toda sua ousadia.


Se tão perto os corpos se encontram,

Separadas e distantes as almas vão.

É a matéria que se choca loucamente,

E fundida, continua na ilusão.


Rodas vivas, sonoras, coloridas,

Entes mortos – mentira compassada,

Redemoinho que atrai tantas vidas,

E as leva ao encontro do...nada


Mas o nada, não é nada; é tanto!

É a realidade infeliz que sobrevive

É o sorriso que oculta o pranto

E espera uma ilusão que ainda vive


Trabalho publicado em maio de 1977

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ANTONIO ANTUNES

Antonio Antunes nasceu em Portugal, na cidade de Pombal no ano de 1904. Pouco se sabe da sua infância mas era uma vida difícil e simples. Seu trabalho era pastorear ovelhas e cuidar das propriedades, pequenos lotes de terra, cercados de pedras, abundantes na região. Serviu o exercito por volta de 1924 e como a Europa vivia a crise do pós guerra, com poucas oportunidades, resolveu tentar a sorte no mundo novo. Embarcou para o Brasil.
Aqui, a realidade era bem diferente de Portugal em meados do século XX. Muitos imigrantes chegando no porto de Santos com a perspectiva de melhorar a vida. E o Brasil abria-se para esses desbravadores, carente que estava de mão de obra.
Seu primeiro emprego foi de operário na ferrovia Mairinque a Santos. Trabalho braçal duro, na marreta e picareta enfileirando dormentes e trilhos, cortando a serra para a composição levar para o porto, as riquezas do interior.
Guardou um dinheirinho. Um dia alguém lhe falou de um lugar no norte do Paraná chamado Marialva, que estava sendo desbravado e colonizado. Ouvir o nome da cidade fez seu coração bater forte. Conhecera na sua juventude em Portugal, uma velha senhora de nome Marialva que era de uma bondade absoluta. Decidiu que iria conhecer essa cidade-criança com nome de mulher.
O irmão Joaquim havia também chegado da Europa e partiram ambos para as terras roxas do Paraná. Era um projeto de cidade, com os pioneiros chegando lentamente, improvisando barracos no meio do mato e vivendo do jeito que dava.
Comprou um sitio de quatro alqueires na Gleba Aquidaban e dá-lhe machado na mata virgem. Em alguns anos, os primeiros pés de café começavam a produzir. As primeiras construções no sitio eram feitas de troncos de palmitos e cobertos com tabuinhas de tamboril. As árvores maiores derrubadas na mata eram serradas nos traçadores, transformadas em vigas e reservadas para a construção de tulhas.
Infelizmente com poucos anos de Brasil, o irmão Joaquim faleceu. A vida, que já era difícil, complicou de vez.
Voltou para Portugal em 1953 e retornou para o Brasil no navio Vera Cruz, já casado com a portuguezita Maria José Ferreira.
E adeus terras lusitanas. Adotou Marialva como pátria e na sua terra descansou depois de uma vida de muito trabalho.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

BONANÇA DA ALMA

Acorde, pois as trevas já se foram,
atormentadas, é o brilho da aurora
É o sorriso reflorindo alegre,
da natureza incerta de quem chora

Venha, são raios d'ouro, são certezas
São nuvens brancas depois do temporal.
Corre e lave as tuas impurezas,
neste bálsamo benéfico e imortal.

Choveu? eu sei, mas já passou
Incrível, mas enfim, tudo acontece
Na tempestade que agora terminou
O bom tempo sorridente permanece

E a suave brisa que te acaricia
o rosto, onde lágrimas rolaram,
aproveita e sussurra em primazia
palavras que com a alma se deparam.

E o sorriso se manifesta altivo
vivendo a alegria da bonança.
Sofrido sim, mas continua vivo
E alimenta uma nova esperança.



Trabalho publicado no livro "Escritores Brasileiros 1985"

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

CHUVA

Chuva é coisa maravilhosa. Depois de alguns dias sem chover, chego a me imaginar no lugar das plantas, quando as primeiras gotas começam a cair entre barulhos de vento, trovões e cheiro de terra molhada. Grossas e geladas gotas anunciam o fim da estiagem. É a sede saciada em momentos, tipo copão de água fresca que se derrama na boca e se deixa escorrer pelo queixo num momento único e de intenso prazer. É um quase renascer das cinzas, um despertar para a vida, uma alegria sem fim!
Alguém um dia me disse que São Francisco dizia que a chuva não era coisa de Deus; era o Próprio Deus se derramando sobre a terra em forma de bênçãos. Concordo com ele. Só não concordo com os meteorologistas quando dizem que quando não vai chover, vai fazer tempo bom! Quer tempo melhor que um tempinho de chuva pra dormir e comer pipoca?

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

MEU SANGUE




Você ainda é um sonho, uma esperança.
Mas é um pedaço de mim, um fragmento,
De um amor eterno, grande e verdadeiro.
Que explodiu em vida, num momento.

Eu quero, quando um dia a luz vital.
Pela vez primeira iluminar teu ser
Te envolva num manto de força e energia
E te faça sentir, a alegria de viver.

Se num dado momento te sorrir a gloria
E sentires o gosto da conquista do tesouro
Mereces ser feliz e serás, mas não te esquece,
Que murcha e seca rapidamente o louro.

Se um dia achares que abraçastes o infinito
Mas que estás de mãos vazias, não te esquece,
Que nem sempre se amealha coisas úteis,
E nem tudo é ouro, o que com ouro se parece.

Eu sei que o mundo, às vezes é cruel.
E constantemente nos ceifa a ilusão
Mas é preciso se erguer a cada tombo
E tirar de cada queda uma lição.

É preciso caminhar, mesmo que a meta,
Nos pareça distante. É necessário prosseguir
Pois não importa o caminho, o que importa,
É sempre lutar, enfrentar. Sempre insistir.

E se for preciso escolher entre o mundo
E a ti mesmo, procure sempre se lembrar,
Que é importante ouvir, e mais ainda,
É antes de outrem, a ti mesmo respeitar.

Mas se um dia a tormenta agitar teu barco
Assolar teus sonhos, encurtar teu chão.
Nunca te esqueças que tens um amigo
Que caminhará contigo e te dará a mão.



Trabalho publicado em 1986 no livro Poetas Brasileiros de Hoje – 1986, pela Editora Shogun Arte, Rio de Janeiro RJ.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

UMA PORTUGUESA DO BARULHO




MARIA JOSÉ FERREIRA


Maria José Ferreira nasceu no dia 20 de maio de 1920, numa pequena localidade chamada Vale de Pombal, em Portugal. Viveu sua infância ali pelos arredores, aprendendo com sua mãe, a ser uma dona de casa. Ajudava também a cuidar das ovelhas da família e um dos serviços do qual ela jamais se esqueceria era a de juntar o esterco que os animais deixavam cair pelos caminhos, que iriam servir de adubo nas quintas. Como dizia, seu serviço era “apanhar cagalhões” para adubar a terra! Sua juventude seguiu sem muitas novidades, a não ser trabalhar ás vezes como apanhadeira de azeitonas para os vizinhos, e algumas peregrinações á Fátima, á pé porque era perto. Como o lugar onde nascera era conhecido como “tapada”, era conhecida pelas amigas como “Maria da Tapada”.
Mas a boa vida da Maria da Tapada iria dar uma grande guinada! Foi pedida em casamento por um gajo, nascido e criado ali por perto, chamado Antonio Antunes, que havia emigrado para o Brasil, onde possuía um pequeno sítio na cidade de Marialva, no Norte Novo do Paraná.
No dia 4 de abril de 1953, casadinha de novo e ao lado do marido, embarcou para o Brasil no navio de bandeira portuguesa chamado Vera Cruz. Fizeram uma pequena parada em 06 de abril na Ilha da Madeira e no dia treze de abril, bateram com os costados no Rio de Janeiro. No outro dia já estavam no porto de Santos onde desembarcaram.
Chegaram a Marialva no dia 5 de maio de 1953 e a portuguesa toda perdida em terras tupiniquins, encontrou á sua espera um “confortável” ranchinho de palmitos, e muito trabalho. O córrego ficava a mais de duzentos metros de distancia e com a trouxa na cabeça lá ia ela com as roupas para serem lavadas. O mato da propriedade havia sido tombado á pouco tempo e conforto não havia nenhum, mas em compensação as saudades da sua terra e da família eram muitas. Imaginem a jovem portuguezita separada de todos os familiares, vivendo numa terra distante da sua, o que não deve ter passado!
Mas sobreviveu! E criou cinco filhos, educando-os como pode. Com ela, aprenderam a viver e principalmente a rezar e a temer o demônio. Tinha um medo danado de cobras e um pavor enorme de temporais.
Trabalhava como homem na roça. Na cozinha era uma grande cozinheira e seu bolinho frito de chuchu era de dar água na boca. Roupas para a família eram todas costuradas na sua velha e eficiente maquina de costura. Cuidava das criações e ainda conseguia uns trocados vendendo ovos de galinhas caipiras.
Uma única vez voltou á sua terra natal. Embarcou com a caçula em Guarulhos e partiu para Portugal com a intenção de ficar dois meses. Voltou vinte dias depois justificando que a sua vida toda estava aqui no Brasil.
Em julho de 2007 transformou-se em lembrança querida. Dias antes de partir, divertia as enfermeiras contando piadas e dando a receita para se viver bem, com poucas rugas: - Bebam vinho! Sábia, alegre e ás vezes meio besteirenta, essa portuguesa valente deixou o mundo num dia escuro e chuvoso. Com certeza, sua ultima viagem foi bem mais tranqüila que sua agitada vida.
Vá com Deus, Vó Portuguesa! Literalmente!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

EITA CAMINHO SUAVE !!


PRIMEIRA AULA – UMA LIÇÃO INESQUECÍVEL


Lendo a matéria do meu amigo Dinor Chagas no seu blog, a minha mente deu voltas. Vi-me, com sete anos de idade, sendo conduzido pela minha mãe, sem ter idéia para onde ia, nem o que me aguardava lá. Para onde ia, logo fiquei sabendo: Grupo Escolar de Marialva, nome que escreveria por muitos anos, nos cabeçalhos dos cadernos, junto com a data.
Mas, voltando ao primeiro dia de aula, antecipo que foi um desastre! Foi muita coisa nova num só dia, para o molequinho criado no sítio, pescando lambaris no “corgo” e enchendo o bucho de frutas nas árvores do pomar. Com idade escolar, eu praticamente desconhecia a civilização. As poucas incursões que fazia na cidade eram nas missas e de vez em quando nas quermesses, de mãos dadas com minha mãe. Era um autentico bicho do mato, assim como a maioria das crianças da roça!
E aí, adivinha o que aconteceu? Borrei-me todo, assustado com tantas novidades!
Esqueceram de preparar o meu espírito para o evento! Não me orientaram para o que aconteceria na minha nova vida e eu me vi perdido num mundo completamente novo e desconhecido. Emocionalmente aturdido, não segurei!
Posso viver mil anos. Do meu primeiro dia de aula, jamais me esquecerei!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

GARIMPEIROS DE ANTIGUIDADES


Eu e a Ivani temos algumas manias. A que mais se destaca é o de procurar coisas antigas. E nas nossas andanças, o que vemos é que cada dia mais pessoas procuram também adquirir relíquias, seja para enfeitar suas casas ou para expor, como curiosidade do passado. Carroças antigas, moinhos, panelas de ferro, bombas d’água e uma infinidade enorme de objetos são disputados pelos colecionadores. E perguntamos: porquê? Estamos vivendo uma nova época do romantismo antigo, quando as pessoas sentiam saudades do passado simples, singelo e bucólico da vida do campo? Queremos nos apegar a um restinho de “realidade real”, em tempos de realidades virtuais, onde não sabemos mais o que é e o que não é?
Uma velha carroça tem uma longa historia! Que caminhos não teriam percorrido suas velhas rodas e o que tipo de cargas não teria carregado em sua estrutura simples, mas eficiente? Que tipos de pessoas conduziram esse modelo de transporte, agora ultrapassado? O que pensavam? Quais os seus sonhos, suas ambições?
Quem tem pouco mais ou menos de cinqüenta anos sabe das dificuldades que vivíamos há algumas décadas atrás, principalmente na zona rural. O conforto com que estamos acostumados hoje, não existia. Luxos como luz elétrica, geladeira, televisão e outros, eram coisas que poucos conheciam. O dia a dia era de muito trabalho e pouca diversão. Acordava-se bem cedo e como na época a Rede Globo ainda não ditava os horários, as lamparinas eram também apagadas muito cedo. A comida era feita com produtos da própria horta e tinha gosto de comida de verdade. No comercio, só comprávamos basicamente o açúcar, os tecidos, o sal e o querosene.
Era uma vida difícil, mas de certa forma era relativamente tranqüila. Não havia tanta violência e os nossos sonhos de consumo eram bem modestos. Não havia a preocupação com os últimos lançamentos na área da informática ou de outras áreas quaisquer.
Analisando hoje percebemos que no fundo, sentimos saudades da simplicidade. E agora corremos atrás de um pouquinho do passado, na ânsia de não deixá-lo escapar definitivamente. Talvez porque isso faça-nos sentir mais humanos e menos artificiais.