Faustino Antunes

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

GRUPO ESCOLAR DE MARIALVA



Nas minhas freqüentes divagações, fico ás vezes a recordar de como eram as coisas e como era a minha cidade há quarenta anos atrás. Vejo-me molequinho ainda, magrelinho, arrastando uma mochila feita de brim pela minha mãe, abotoada na frente com um grande botão (morria de vergonha dela – queria ter uma de couro como os alunos mais abastados). A estrada, que naquela época me parecia sem fim, era normalmente coberta de poeira ou de barro de vez em quando. Saía do sitio no quilometro um da estrada Marialva, contornava um cafezal que ficava perto da estação ferroviária, pois o pontilhão era de madeira e estava quebrado e ia bater os costados lá no Grupo Escolar.
Na escola, a primeira a sair da sacola era a cartilha Caminho Suave, onde um universo de figuras e letras me ensinavam a ler e escrever, com a orientação da professora Cleonice Colhado. Abelha, zabumba, Nhá Maria, igreja, unha, dado e cachorro ca co cu Os cadernos, geralmente não muito limpos por conta das tarefas feitas no sitio com as mãos mal lavadas serviam para repetir as lições da professora. E pelos anos seguintes, muitos cadernos de caligrafia foram consumidos por conta da letra feia e incompreensível. Caneta nem pensar e os lápis de cor me fascinavam pela sua beleza.
O bom mesmo eram as festas na escola. No dia das crianças, muitos doces e geralmente as professoras se desdobravam em artistas e palhaços para divertir a criançada. Nas aulas de regência, as novas professoras passavam alguns dias substituindo a titular, enchendo nossos cadernos de carimbos e figurinhas coloridas e na ultima aula se despediam nos fazendo felizes com pequenas lembrancinhas.
As series, que chamávamos de anos, eram diferenciadas pela cor da capa dos cadernos. Se não me engano, a capa do primeiro ano era amarela, do segundo verde, do terceiro azul e do quarto vermelha.
Um fato que marcou: um dia o Robertinho “louco” entrou correndo na escola, querendo “pegar” alguns moleques que mexeram com ele e pôs todo mundo em polvorosa. Fui parar no final do corredor, escondido no meio de um bando de outros alunos tão medrosos quanto eu.
Figuras de quem eu não me esquecerei: Seu Sinhô, zelador da escola e inspetor de alunos. Dona Perolina, com cara de braba sempre cuidando da disciplina da molecada. Dona Mariazinha, enérgica e doce ao mesmo tempo. Dona Terezinha, que vendia doces no portão, fazendo a delicia dos nossos olhos (geralmente só dos olhos, porque dinheiro nunca tinha), um dia inventou de rechear o manjar com a calda do pudim e fez o maior sucesso inventando o que todos chamavam de “matado”. Pirulitos amarelos e vermelhos, paçoquinhas, doces de abóbora em forma de coração e as inesquecíveis caixinhas da sorte com pequenas bijuterias dentro.
E os brinquedos! Tinha época dos piões, dos bilboquês, das pipas, das figurinhas onde os mais espertos rapelavam os menos espertos no “bafo”. Na hora do recreio, era uma festa, com o povo se agrupando ao redor das brincadeiras, numa mistura de gritos e risadas, até a dona Mariazinha chacoalhar ruidosamente o sino, nos chamando de novo para as nossas obrigações em sala.
Terror era quando havia vacina! Prendiam-nos todos dentro da sala de aula, com uma professora cuidando da porta e dá-lhe furo no braço! Escapei duas vezes, uma pulando um minúsculo vitrozinho quase me arrebentando todo do lado de fora, e outra fazendo um furinho no braço com o lápis e com a cara de maior sofredor do mundo mostrar para a professora que já havia tomado a maldita vacina.
O grande medo era do gabinete! Comportávamos-nos mediante ameaças de sermos levados para o famigerado lugar! Ninguém sabia o que havia lá, mas circulava que era um lugar horroroso, com todos os tipos de castigos possíveis a espera do aluno bagunceiro e desobediente. Eu particularmente morria de medo de umas cabeças sem corpo, modelos de tipos humanos, onde num deles se lia “caucasiano”.
As tarefas de casa eu quase nunca fazia, quer dizer, não fazia em casa, porque me obrigavam a fazê-las na sala de aula, numa carteira colocada estrategicamente na frente de todos. Palmatória não havia mais, graças a Deus, mas as unhas compridas da Zuleide torcendo-me as orelhas é cena que eu morro mas não esqueço!

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